terça-feira, 8 de dezembro de 2009

ROUBARAM Á INFÂNCIA!

                 


Enquanto eu recordava a minha infância, o mestre parecia-me
Perscrutar. Puxando o fôlego com vigor, comentou sobre o assassinato da
Infância na atualidade, uma das coisas que mais o perturbavam:
— Internet, jogos de videogame, computadores, são úteis, mas
Têm destruído algo inviolável: a infância. Onde está o prazer -

Do silêncio? Onde está a arte da observação? Onde está a
Inocência? Angustia-me que o sistema esteja gerando crianças insatisfeitas e
Ansiosas. Fortes candidatas a serem pacientes psiquiátricas e não seres humanos
Felizes e livres.
De repente, teve uma reação que eu nunca havia presenciado.
Vários pais passaram por nós levando os filhos, entre sete e nove anos, para as
Compras. Eles estavam muitíssimo bem-trajados, no rigor da moda, todas as
Peças combinando. Tinham celulares na mão. Mas revelavam evidente insatisfação.
Alguns começavam a impor o que queriam consumir. Para não se perturbarem
Com seus gritos e atritos, os pais cediam.
O vendedor de sonhos reagiu. Perdendo a paciência, parecendo
Fora de si, enfrentou esses pais.
— O que vocês estão fazendo com seus filhos? Levem-nos para
Os bosques! Tirem seus sapatos, deixem-nos andares descalços na terra! Levem-nos
Para subir nas árvores, estimulem-nos a inventar suas brincadeiras. A espécie
Humana se fechou numa redoma artificial de egoísmo e consumismo. Deixem-na
Envolver-se com outras espécies, com outros comportamentos. — E parafraseou
Uma frase de Jesus Cristo: — Não só de shoppings viverão as crianças, mas de
Todas as aventuras da infância.
Fiquei impressionado com sua ousadia diante de estranhos.
Alguns pais ficaram pensativos. Outros reagiram mal. Um disse:
— Não é esse o louco dos jornais?
Outro, que era intelectual e provavelmente do time da soberba,
Como eu, foi mais contundente:
— Eu sou professor doutor em psicologia. Não admito essa
Invasão de privacidade. Dos meus filhos cuido eu. — E observando

Nossa aparência, disse para seus amigos: — É um bando
De ignorantes.
Boquinha de Mel ouviu a ofensa e não conteve sua síndrome
Compulsiva de falar. Referendou o mestre, dessa vez com
Propriedade:
Myfriend, não sou doutor de merda nenhuma. — E olhando
Para as crianças lhes disse: — Desculpe pela merda, meninos. — Em seguida,
Dirigindo-se aos pais, completou sua idéia com exageros: — Deixem seus filhos
Se lambuzarem com a natureza. Assim, nenhum deles terá chance de ser um
Maluco, um bêbado e um sem-vergonha como eu. — E caindo em si, fez um
Gesto e pediu paciência: — Mas estou melhorando, chefinho.
Em seguida, voltou-se novamente para as crianças e tentou fazer
Uma brincadeira:
— Quem quer voar como uma borboleta levante as mãos. Três
Crianças levantaram as mãos, duas ficaram indiferentes
E três se esconderam atrás de seus pais e responderam:
— Tenho medo de borboletas.
Os pais sentiram-se ofendidos com a petulância dos intrusos.
Chamaram os seguranças que estavam na porta de entrada da grande loja de
Departamentos do Grupo Megasoft, na qual estavam prestes a entrar. Estes não
Tardaram a nos expulsar de lá.
— Saiam daqui, seus malandros.
Mas, antes de sair, o mestre voltou-se para os pais que o
Contestavam e comentou:
— Peço desculpas pelos meus gestos, e espero que um dia,
Diante de seus filhos, não precisem pedir desculpas pelos seus.
As idéias que o mestre semeou não foram estéreis na mente de
Todos os pais. Alguns, mesmo enraivecidos, começaram a

Perceber que precisavam fazer uma cirurgia na relação com seus
Filhos. Davam a melhor educação para eles dentro do sistema vigente, eles se
Tornavam especialistas em consumir produtos e operar computadores, mas eram
Cronicamente insatisfeitos, não sabiam observar, intuir, induzir. Perceberam que
A natureza não era importante para a sobrevivência física da espécie humana, mas
Para a sobrevivência emocional dela. Os estímulos da natureza tinham uma
Pedagogia insubstituível, superior a todas as teorias educacionais, para expandir
Os horizontes da psique. Começaram a freqüentar bosques, zoológicos, jardins
Botânicos.
Fiquei emocionado ao ver o cuidado do mestre e de Bartolomeu
Com as crianças. Nunca me preocupei muito com elas. Estava ocupado demais
Em criticar o sistema de classes sociais em sala de aula. Não entendia que o
Verdadeiro material da educação era o aluno e não as informações que eu
Transmitia. Preocupava-me que fizessem silêncio e prestassem atenção nas aulas,
Mas não me preocupava, em primeiro lugar, se estava formando seres humanos.